20140501

Pedrito fala na primeira pessoa do passado, presente e futuro da música angolana

Luanda - José Manuel Pedrinho ou simplesmente Pedrito, o conceituado e considerado músico romântico que conquistou mais prémios do Top dos Mais Queridos, fala na primeira pessoa do passado, presente e futuro da música no país.

Por Tchiganeca Dias 

Angop: Pedrito, vencedor dos vencedores do Top dos Mais Queridos, como é viver com esta realidade passados mais de 20 anos? 

Pedrito: Tenho uma recordação vaga. Tenho uma carreira de muitos anos, de persistência, de empenho e penso que estou a conseguir dar a minha contribuição na cultura angolana, naquilo que é o possível dentro da música nacional, das suas dificuldades, mas vamos conseguindo fazer alguma coisa. 

Angop: E o prestígio de ter vencido três edições do maior concurso de música do país… 

Pedrito: Não diria recordista, porque foram sucedendo os tops e eu fui ganhando, tanto mais que fui alternando: em 82, em primeiro lugar, em 83, em segundo lugar, em 84, em primeiro lugar, 85 em segundo lugar e 86, em primeiro lugar. E foi daí que desisti. 

Angop: Considera-se um cantor romântico por excelência? 

Pedrito: Sou. Sou essencialmente romântico. Não domino outro género melhor que este. Tenho aqueles momentos em que diversifico. Tenho o semba como algo importante. Sou aquele cantor de uma geração que vem de uma época do semba muito forte, não podia deixar, de quando em vez, cantar este ritmo, porque é um ritmo muito gostoso, cheio de energia, e temos que o executar. 

Angop: Quais foram as suas influências musicais? 

Pedrito: Veja, dentro do círculo daquilo que é o ambiente musical internacional, eu tenho várias abordagens musicais que vêm também de várias influências, da América do Sul, da América do Norte, da África do Norte. Enfim, ouvindo, vamos gostando e vamos aplicando o nosso sentimento, a nossa génese musical dentro dessas influências todas. Isso é que faz a música ser património da humanidade. Buscando várias abordagens, nós vamos dar outro sentido mais universal à cultura. 

Angop: Que avaliação faz do actual momento da música angolana? 

Pedrito: Bem, a nossa música está numa dimensão muito aceitável, muito boa, em termos de produção, de edição, de execução melódica, em tudo isso estamos a progredir. Já demos passos muito positivos até ao presente momento. Acredito que não estamos muito bem naquilo que é o conceito da abordagem nacional. Nós devemos nos preocupar com aquilo que nos identifica, fazermos um bilhete de identidade nacional em termos musicais. É aqui onde há o problema. Salvo melhor opinião, penso que deveríamos nos preocupar um pouco mais com este aspecto. Porque a tendência de subalternizar o conceito nacional, embora, volto a dizer, as abordagens são várias e podem nos levar a um conceito universal, ninguém é alguém sem um bilhete de identidade nacional. O resto está tudo bem, estamos a trabalhar bem, estamos a progredir.

Angop: Longa temporada longe dos grandes palcos, que contribuição procura ainda dar à música nacional? 

Pedrito: A minha actividade musical nunca foi uma actividade permanente, extasiante. A minha actividade musical sempre foi serena, muito gradual. Eu, durante um ano, não deixo de cantar, não paro de cantar, mas também não canto todas as semanas, primeiro porque escolho muito o local onde vou cantar, porque defino metas, saber porquê é que vou cantar, o que há onde vou cantar. Há locais e ambientes que não me interessam, acredito que a minha mensagem não passa e não vou apenas por uma questão financeira. 

A minha prestação, a minha contribuição é dentro do ditto de que “não devemos levar a carroça à frente dos bois”, tudo nas calmas. Não canto só para ganhar dinheiro, claro que não deixo de ganhar dinheiro, gosto de ganhar dinheiro mas dentro daquele princípio que é o meu. Não atropelo o género musical que habituei às pessoas a gostarem de mim. Agora, o conceito comercial já é outra questão, aqueles que gostarem do Pedrito vão comprar o disco do Pedrito mesmo que não tenha lá kizomba. Aliás, não tenho muito jeito para a kizomba. E é dentro deste princípio que vou continuar a estar presente na música angolana sem muito alarido. Agora é só gerir uma carreira artística. 

Angop: Como vê o convívio entre a nova e a velha geração? 

Pedrito: Eu não vejo grande convívio, apenas aquele que é o natural, quer dizer, se eu estiver a cantar no Cine Atlântico, dentro de um programa onde estejam os cantores mais jovens, tudo bem, é uma participação agradável, mas não faço muita menção deste aspecto, porque cantores mais velhos já somos poucos que ainda cantam, que têm uma carreira a funcionar somos muito poucos.Mas acho que o dever deles, dos jovens, é ouvirem o que nós já fizemos, e cada um tira as suas ilações e aproveita aquilo que deve aproveitar, é assim mesmo. 

Angop: Qual foi o momento que mais marcou a sua carreira musical? 

Pedrito: São vários os momentos. Os concursos do Top dos Mais Queridos em que participei e venci foram sensações agradáveis; as digressões que fiz pela Europa do Leste, não eram só digressões culturais, mas digressões com o objectivo de estreitar as relações entre os países da Europa do Leste e a então República Popular de Angola. Foram nove meses de viagem, actuações em palcos maravilhosos, de troca de experiência com artistas de outras nações, saber como faziam música. 

Angop: Até que ponto os novos ritmos que os jovens estão a trazer vão influenciar positiva ou negativamente a nossa sociedade? 

Pedrito: Todo o ritmo é uma força, é um sentir que se mostra. No nosso país, temos uma diversidade de ritmos que ainda não exploramos bem, não foram explorados por falta dos recursos para viajar, investigar. Precisamos ser mais intelectuais, e a intelectualidade não é ir só à universidade fazer um curso de medicina, engenharia, sociologia, filosofia ou de economia, isso é mentira. É preciso ser culto a partir da cultura, das artes, da música. Respondendo a sua pergunta, depois de darmos atenção, termos orçamento geral para a música, para a cultura, que nos permita fazer cultura, que permita dar passos positivos na área cultural, aí podemos dizer que o futuro das artes angolanas será melhor. 

Nota biográfica José Manuel Pedrinho (Pedrito) nasceu em Icolo e Bengo no dia 1 de Outubro de 1954. Filho de Sebastião Manuel e de Beatriz Adão, José Manuel Pedrinho nasceu na sanzala de Kingongo. Fez a sua primeira actuação musical no Ngola Cine, no dia 24 de Dezembro de 1969, numa das sessões do “Dia do Trabalhador”, espectáculo acompanhado pelo agrupamento Ngola Jazz. Fez parte do coro da Igreja de São Domingos, em 1973, altura em que foi convidado a integrar o célebre trio “Gambuzinos”, em substituição da guitarra de Filipe Vieira Lopes, com Dualy Jair (guitarra), Freitas Sebastião (pandeireta).Pedrito efectuou a sua primeira digressão artística internacional em 1982, por seis países do antigo Leste da Europa e Portugal, com o grupo musical “Jovens do Prenda”. 

Em Janeiro de 1983, deslocou-se ao Brasil com o grupo “Semba Tropical”, integrado no projecto “Canto Livre de Angola”. Ainda em 1982, vai a Londres, onde participa em dois espectáculos, que resultaram na gravação do LP “Semba Tropical in London”, um projecto patrocinado pelo empresário e músico moçambicano Abdul Zobaida. 

Em 1988, volta a fazer uma digressão ainda com os “Jovens do Prenda”, percorrendo Portugal, França, Inglaterra e Escócia. Neste último país, participa no grande espectáculo de solidariedade a favor da libertação de Nelson Mandela. Venceu o primeiro lugar do “Top dos mais queridos” no dia 5 de Outubro de 1982, realizado pela Rádio Nacional de Angola, repetindo o feito nas edições de 1984 e 1986, tendo conquistado duas vezes o segundo lugar. 

As várias premiações no “Top dos mais queridos” valeram-lhe a distinção com três diplomas de mérito, no dia 5 de Outubro de 2012, num acto que assinalou a homenagem aos vencedores do “Top dos Mais Queridos” ao longo dos trinta anos de existência. 

Discografia 

Tem três discos no mercado: “Aleluia”, o primeiro CD da sua carreira, surgiu em 1994, gravado em Lisboa, e inclui as canções: “Nga Kinga”, “Aleluia” “Vaso quebrado”, “Nzala ya Tula”, e “Mulher mumuíla. Em 2003 gravou o CD “Avó Béa”, disco produzido e editado em Angola pelas edições “Pedrinho Produções”, e o disco “Mensagens de amor”, introduzido no mercado em Dezembro de 2008. 

Conta ainda com os singles “Mãe Kuebi”, em 1971, e um ano depois surgiu o sucesso “Farrapo Triste”. O single “Comandante Jika” surge em 1976.

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